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A pena move-se levada pela mão do que não está bem. E do papel extrai-se o corpo do problema, com os olhos de quem quer a mudança, de quem espera a mudança com cansaço. Crónicas das horas, das noites absurdas. Crónicas do que está à nossa volta e nem sempre nos damos conta.
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O LADO CINZENTO
por João Gramaça
É curioso, não é? A forma como o mundo parece chorar, como o céu parece cobrir-se de luto quando vislumbramos o negrume das nuvens que carregam o horizonte, um horizonte de desespero, de angústia. A amargura de um dia arrastado pelas lágrimas que escorrem vagarosamente, que escorregam como lentos e ininterruptos rios que sulcam a barba que começa a cobrir a pele levemente enrugada pela tristeza que parece inundar uma cara solitária na multidão, tal como a água que cai incessantemente parece inundar as cinzentas ruas de uma cidade que aparenta fechar-se sobre nós, sufocar-nos, apertar-nos os pulmões com as tenazes do fumo que teima em entrar em nós, quer queiramos, quer não...
É interessante, não é? O modo como tudo nos surge diante dos olhos como garantido, como algo que estará lá sempre, como algo que nunca terminará – e nós confiamos cegamente na imutabilidade do nosso pequeno mundo, tão minúsculo... A nossa ingenuidade torna-nos obtusos, não temos consciência do quão efémera é a nossa vida – a noção que temos da realidade acaba por não nos deixar compreender que hoje, amanhã, no próximo mês, podemos ser os próximos a partir, a embarcar numa ida sem volta, na mais longa viagem da nossa existência...
É triste, não é? O mundo chora, e nós, sem dar por nada, choramos com ele, encostamos a cabeça para descansar, cerramos os olhos e abandonamos – nem que seja por um instante – tudo o que o destino insiste em nos atirar... E como o mundo chora a nossa alma, negra como uma noite sem luar, inconformada com tudo o que a afunda cada vez mais num poço sem fundo... e com o mundo chora o nosso coração, acelerado pelo turbilhão de emoções que teima em nos rasgar o interior, em nos rasgar cada traço pessoal, em nos magoar cada centímetro do nosso corpo, em nos toldar o discernmimento, em nos enlouquecer de dor...
É irritante, não é? A maneira como toda a raiva, toda a fúria acaba por se diluir no nosso insignificante mundo materialista, que julgamos girar somente em nosso redor e que exacerba constantemente o nosso desejo irreal de sermos egoístas, de pensarmos apenas em nós e nunca nos outros. O fim aproxima-se de nós, gradualmente, inevitavelmente – e nós caminhamos alegremente para ele, imersos em vidas rotineiras, monótonas, viciosas. Todos nós, de olhos fechados, com a mente preguiçosa e com os hábitos odiosos da nossa sociedade moderna entranhados em nós como o pó que se ergue do chão no dia mais quente do ano, caminhamos para o nosso final, o último capítulo, para o nosso The End particular, que é, e será sempre, ignorado pelo resto do mundo, demasiado concentrado nos seus próprios passos que o leva até ao seu desenlace.
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sexta-feira, 30 de maio de 2008
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